Segunda-feira, 28 de Janeiro de 2008

A Casa Quieta



Por mais coisas que sejam as coisas, acabamos sempre por lhes conferir algum significado. Ligamo-nos às coisas como se delas pudesse ser retirado algo mais do que o propósito que servem. Mas a verdade é que, em muitos casos, pode-se retirar e também, dar, a essa coisa à qual nos apegamos, muito. De nós.
As casas, por exemplo, tornam-se depositórios de lembranças e momentos que, por mais banais, acabam sendo especiais. Por que fizeram parte da nossa vida e estiveram lá, para o bom e para o mau, mesmo quando nada fizemos para que assim fosse. As paredes da casa onde moramos já nos viram chorar, rir, dançar, dormir, comer, lavar, gritar, sorrir, conversar, ouvir... A lista é interminável. A nossa casa vê-nos e aceita-nos como somos. E molda-se à pessoa que nela vive por mais que achemos ter sido nós a decorá-la ao nosso gosto.
Uma casa também se ressente. Também ama e morre. Uma casa também se inquieta. Responde à emoção que os seus habitantes sentem em determinadas alturas. A casa onde vive a história de Rodrigo Guedes de Carvalho, abre-nos as portas para uma vida que já nos vimos a viver, mesmo que não tenhamos passado pelas experiências das personagens retratadas.
Na casa agora quieta mora Salvador, um arquitecto cuja mulher Mariana faleceu devido a uma doença terminal. O livro avança e recua no tempo para dar a conhecer os meses, até mesmo anos, anteriores e seguintes à morte de Mariana: como é que a descoberta da doença os afectou, a forma como ambos lidaram com essa realidade, que outros problemas vieram à tona das suas vidas aparentemente felizes e satisfeitas em satisfazerem-se apenas um com o outro (os filhos que não tiveram, os casos amorosos que os desviaram da rota comum em que se  encontravam, a ausência e rigidez do pai de Salvador, a loucura pós-guerra do irmão).  Somos, assim, convidados a presenciar todas as fases pelas quais este casal passa e mais do que isso, estamos lá quando Salvador se despede da casa onde viveu quase todos os seus sonhos devido ao desaparecimento do maior sonho deles todos: a mulher que sempre amou.
A casa quieta é uma história de despedida e mágoa, onde uma vida fica a parecer pouco para o tanto que se tinha ainda para dizer e fazer. Salvador e Mariana perceberam a dada altura que, o amor não é de todo suficiente mas é a melhor razão para que a vida possa existir.

« Pudéssemos viajar, não para lugares longínquos de paisagens tremendas, não ao encontro de outros povos, culturas e cheiros, outras gentes e sabores,
mas ao interior uns dos outros. »

Eu diria, às casas que somos.

publicado por xary às 00:43
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