Era uma avezita que sonhava em seu poleirinho. Olhava o luar e fazia subir fantasias pelo céu. Seu sonho se imensidava: - Hei-de pousar lá, na lua. Os outros lhe chamavam à térrea realidade. Mas o passarinho devaneava, insistonto: vou subir lá, mais acima que os firmamentos. Seus colegas de galho se riram: aquilo não passava de menineira. Todos sabiam: não havia voo que bastasse para vencer aquela distância. Mas o passarinho sonhador não se compadecia. Ele queria luarar-se. Pelo que o tudo ficava nada. Certa noite, de lua inteira, ele se lançou nos céus, cheio de sonho. E voou, voou, voou. Perdeu conta do tempo. Em certo momento ele não sabia se subia, se tombava. Seus sentidos se enrolaram uns nos outros. Desmaiou? Ou sonhou que sonhava? Certo é que seu corpo foi sacudido pelo embate de um outro corpo. E pousou naquela terra da lua, imensa savana pétrea. A ave contemplou aquela extensão de luz e ficou esperando a noite para adormecer. Mas noite nenhuma chegou. Na lua não faz dia nem noite. É sempre luz. E o pássaro cansado de sua vigília quis voltar à terra. Bateu as asas mas não viu seu corpo se suspender. As asas se tinham convertido em luar. Com o bicou desalisou as penas. Mas penas já nem eram: agora, simples reflexos, rebrilhos de um sol coado. O pássaro lançou seu grito, esses que deflagrava antes de se erguer nos céus. Mas sua voz ficou na intenção. A ave estava emudecida. Porque na lua o céu é quase pouco. E sem céu não existe canto. Triste, ela chorou. Mas as lágrimas não escorreram. Ficaram pedrinhas na berma da pálpebra, cristais de prata. A avezita estava cativa da lua, aprisionada em seu próprio sonho. Foi então que ela escutou uma voz feita de ecos. Era a própria carne da lua falando: - Eu sonhei que tu vinhas cantar-me. - E porquê me sonhaste? - Porque aqui não há voz vivente. - Eu também sonhei que haveria de pousar em ti. - Eu sei. Agora vais cantar em luar. Eu sonhei assim e nenhum sonho é mais forte que o meu. É assim que ainda hoje se vê, lá na prata da lua, a pupila estrelinhada do passarinho sonhador.
sempre que leio qualquer coisa de Mia Couto, fico com a impressao que as palavras dele sao mais que as nossas. dizem mais que as "nossas". preenchem de uma forma infantil mas adequada, tudo aquilo que nem sempre sabemos dizer. e as palavras dele parecem fazer crescer outras. que fazem crescer mundos de sonho e de lua em nos.