Domingo, 25 de Fevereiro de 2007

O Cemitério de Raparigas


Já o acabei de ler há muito tempo, mas antes de falar sobre as ilusões do Auster acho mais do que justo dar umas palavras sobre o cemitério do Esteves Cardoso.

Foi um transe que se instalou entre as páginas. O tema era tão mórbido mas cativou (talvez por isso mesmo). Mortes e vidas que se continuam pela memória fora, um rio que corre sem que queiramos ou saibamos como. Mas continua. Depois da terra ser atirada contra a madeira oca, depois das últimas palavras, mesmo que ditas após o além chegar. Depois do Adeus. Mas para esta história, o adeus nunca acontece apesar do narrador achar que sim. Que disse tudo o que tinha a dizer nos momentos. Ou dizer nada, que por vezes também é o mais acertado a fazer. Fechar a porta atrás de nós, simplesmente assim.

Existem nomes pregados nas paredes. E a esses nomes, vidas que morreram naquele quarto mas cujos passos continuam a ser dados noutros lugares e especialmente, na cabeça daquele que fala. Que suspira. Que se afoga na bebida e nos corpos de mais outros nomes cujas caras pouco importam. São as palavras que decoram o túmulo, essas é que ficam depois de toda a morte acabada.

O narrador vai-se destruindo. O único caminho que sabe levar a esse porto perdido no horizonte que dizemos ser um Objectivo. Isso e o cemitério. De vez em quando tenta ressuscitá-las, chama-as pelos nomes que antes faziam as suas cabeças rodar em resposta. Mas está sozinho. Sempre sozinho, mesmo com elas. E a única que o fez viver, também (se) matou. Fazendo-o atirar-se com ela. Morrer com ela. Porque amam-se as vezes que pudermos mas existe apenas um nome que chamamos no lugar final de tudo.

E enquanto se destrói, chama-o infinitamente. Entre os lençóis sujos por outros corpos, enrolados noutras pernas, entre as insónias e a embriaguez permanente. Porque só assim. só chamando Amor a tudo e todos. Só fingindo que se está bem com o amor morto e enterrado. Só assim sobrevive, morrendo forçosamente aos poucos.

É rude. Forte. Obsessivo. A roçar o irreal. Ou demasiado real. Numa escrita que deixa o leitor embriagado. É desespero. São dias, meses, anos intermináveis na morte de alguém, um coração de todos. Múltiplo na sua unidade.

 

« o meu coração dá-te como morta, mas tenho a tua imagem, o teu rosto deitado sobre o meu como se dormisses sobre mim. Guardo-a contra o tempo e contigo, para levar no momento em que eu deixe de viver. Nós somos tão brancos. Com a tua escuridão e a minha cegueira, nós somos tão brancos e tão parecidos que me custa abrir os olhos e não te ver. »


publicado por xary às 18:52
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De eli a 25 de Fevereiro de 2007 às 19:32
que posso eu dizer? adoro o livro ;)
***


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